Um dos referenciais teóricos importantíssimos dentro da abordagem da Terapia dos Esquemas é a teoria do Apego, proposta pelo médico psiquiatra infantil John Bolwby, na década de 1950, trazendo à luz da ciência contribuições acerca da origem dos vínculos afetivos. Ele e o pesquisador James Robertson, no ano de 1952, fizeram estudos de observações clínicas e filmagem com crianças de 2 e 3 anos, com foco em estudar o comportamento delas quando separadas de suas mães, sem substituição desta figura parental por outra estável. Neste experimento, Robertson identificou e mapeou as fases da separação (protesto, desespero, desapego), sendo que os resultados destes estudos geraram grande impacto na sociedade inglesa daquele período histórico.
Bolwby (1952) passou a levantar questões a respeito dos efeitos da privação materna na infância, como as crianças lidam com a perda, o luto e separação, e quais impactos destas experiências para o desenvolvimento delas e estruturação de personalidade patológica. A partir destas perguntas, este autor passou a aprofundar seus estudos em etologia a respeito do comportamento dos animais, deparando-se com estudos de outros autores como Konrad Lorenz (1935) sobre imprinting e Harry Harlow (1958) a respeito da separação materna com macacos Rhesus. Como influência de tais autores e destes achados, Bowlby identificou os seguintes pontos como chaves na estruturação da sua teoria do apego:
- Sistemas comportamentais: potencial biológico que herdamos, fruto de adaptações evolutivas da espécie, e que favoreceram a sobrevivência no passado. Compostos de comportamentos rápidos e automáticos, mas que sofrem influências do meio e das experiências do sujeito (perspectiva evolutiva interacionista)
- Homeostase Ambiental: potencial biológico + influência do meio + experiências do indivíduo geram modificações nos sistemas comportamentais visando a homeostase ambiental, ou seja, flexibilizando antigos e modelando novos comportamentos com foco em adaptar-se ao meio e sobrevivência;
- Sistema de Apego: com função de gerar proteção, segurança e suprimento de necessidades para o indivíduo sobreviver, sendo decisivo na perpetuação da espécie.
Em síntese, os achados de Bolwby contribuíram para ele estruturar a teoria do apego, integrando conceitos da psicanálise, etologia, psicologia evolucionista, comportamental e cognitiva. Esta teoria explica como se originam o vínculo dos bebês com as mães e seus primeiros cuidadores e como o tipo de apego influenciará nos outros vínculos que o sujeito irá estruturar ao longo da sua jornada de vida com outros indivíduos.
Neste sentido, podemos entender a necessidade dos bebês em estabelecer vínculo com as mães e/ou cuidadores, por uma necessidade de sobrevivência que envolve tanto aspectos fisiológicos quanto emocionais (alimentação, cuidados, proteção, segurança) e que são chaves na sua sobrevivência, já que sozinho ele não teria condições de atender as próprias necessidades e sobreviver.
Como este vínculo é estruturado ao longo da infância impactará na construção de modelos mentais a respeito de si próprio, dos outros, do mundo, e contribuirá diretamente na formação da personalidade, regulação da percepção de mundo, dos sentimentos e dos comportamentos do indivíduo.
TIPOS DE APEGO
A estruturação do apego acontece num processo de 3 etapas:
- PRÉ-APEGO (0 a 6 semanas de vida): a criança demonstra orientação e sinalização para as pessoas à sua volta, ainda sem preferências, a partir de seu “equipamento biológico pré-programado” para buscar proximidade com os humanos que cuidam dela e ter suas necessidades satisfeitas;
- FORMAÇÃO DO APEGO (6 semanas a 6/8 meses de vida): a criança começa a apresentar preferências por figuras familiares, mas sem recusar estranhos ainda. Vocaliza e chora de formas diferentes a depender da proximidade da mãe/cuidador primário;
- APEGO DEFINIDO (6/8 meses a 18 meses de vida): o bebê busca ativamente presença e proximidade da(s) figura(s) de apego a partir da sua locomoção, sinalização, choro, evidenciando ansiedade de separação, busca de segurança, proteção e maior reciprocidade esta(s) figura(s).
Os tipos de apego foram mapeados pela psicóloga Canadense Mary Ainsworth (1970), a partir do seu experimento “Estudo psicológico da situação estranha” (AINSWORTH, 1970), realizado por ela com crianças de 12 a 18 meses, observando as reações que elas apresentavam ao serem separadas de suas mães, bem como ao reencontro delas, tendo ou não a presença de uma outra pessoa estranha a elas. A partir dos resultados deste experimento, Ainsworth estruturou 4 tipos de apego:
- APEGO SEGURO: a mãe ou outra figura de apego primária responde rapidamente ao choro da criança, é sensível às suas necessidades, cuida, conforta, acalma, oferece carinho, segurança, proteção e é disponível. A criança demonstra interesse pelo cuidador, busca sua presença e proximidade quando necessita, sente-se capaz de explorar o ambiente desde que o adulto não se afaste por longos períodos, e tolera estranhos, mas só expressa confiança pela figura de apego;
- APEGO INSEGURO ANSIOSO/AMBIVALENTE: ambiente e/ou cuidador imprevisível, desorganizado, instável. Cuidador pode até se mostrar atento à criança, mas sem sincronia com suas necessidades e solicitações, não respondendo ou respondendo tardiamente elas. Pouco disponível emocionalmente. A criança costuma se desestabilizar na ausência do cuidador, entendendo a separação como ameaça real e iminente. Expressa raiva, angústia nas separações e não se conforta facilmente. Mostra-se constantemente insatisfeita;
- APEGO INSEGURO EVITATIVO: mãe ou cuidador não disponível ou não atento às necessidades da criança, podendo ser rejeitador ou mesmo distanciar-se física e psicologicamente. A criança ignora este afastamento, não se empenha em manter contato, não distingue estranhos do cuidador e termina priorizando atividades, objetos e coisas ao invés de pessoas;
- APEGO DESORGANIZADO: crianças expostas a maus tratos, abusos, negligência parental, famílias com transtornos por uso de substâncias, ambientes violentos. Ela recebe informações ambíguas do cuidador gerando angústia, desconfiança, age de modo confuso, passando a vivenciar medo crônico e intenso, ansiedade, agitação podendo apresentar ataques de fúria.
APEGO X CONSEQUÊNCIAS
A partir destes tipos de apego, podemos identificar, ao longo da adolenscência e fase adulta, impactos em como o indivíduo percebe a si mesmo, aos outros, ao mundo, bem como se relaciona. Vejamos abaixo quais consequências mais frequentes a partir de cada tipo de apego:
- APEGO SEGURO: pessoa sente-se competente para lidar com pares, aberta a novas experiências, curiosidade, autoestima positiva, tolerância a novidades, frustrações, reagindo bem frente a seus fracassos. Entusiasmo, persistência, resolução de problemas e tomada de decisão assertivas, independência e consegue restabelecer relacionamentos saudáveis e recíprocos;
- APEGO INSEGURO ANSIOSO/AMBIVALENTE: indivíduo apresenta imaturidade, insegurança, incompetência social, comportamentos de dependência emocional, material, insegurança. Dificuldades para se relacionar, para permanecer nos relacionamentos, dificuldades para desfrutar dos mesmos, para empatizar com o outro e refletir sobre suas responsabilidades nas relações. Pode apresentar condutas impulsivas e agressivas;
- APEGO INSEGURO EVITATIVO: sujeito pode se mostrar contradependentes ou autossuficientes, evitando pedir ajuda, compartilhar, estabelecendo relacionamentos superficiais e/ou não duradouros. Pode apresentar traços antissociais;
- APEGO DESORGANIZADO: autopercepção negativa e desqualificante de si (indigno, mau), visão dos outros como perigosos, ameaçadores, abusivos e imprevisíveis. Podem apresentar muitos traumas, transtornos de memória e atenção, comportamentos agressivos, cruéis, oposicionistas, ausência de empatia e sensibilidade moral, bem como culpabilizar os outros ou quem queira ajudá-lo.
Para saber mais, confira as referências abaixo:
WAINER, R. Terapia cognitiva focada em esquemas : integração em Psicoterapia [recurso eletrônico] / Organizadores, Ricardo Wainer … [et al.]. – Porto Alegre : Artmed, 2016.
YOUNG, Jeffrey E.. Terapia do esquema [recurso eletrônico] : guia de técnicas cognitivo-comportamentais inovadoras / Jeffrey E. Young, Janet S. Klosko, Marjorie E. Weishaar; tradução Roberto Cataldo Costa. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre: Artmed, 2008.
MELO, W. V. Estratégias psicoterápicas e a terceira onda em terapia cognitiva / organizado por Wilson Vieira Melo… [et al.] – Novo Hamburgo: Sinopsys, 2015.
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